sexta-feira, 4 de maio de 2018

Deixa Eu Te Contar || Vida



'Um conto... Apenas um conto. Mas um conto que te faz refletir e para muitos pode ser um "tapa na cara". Uma mente aprisionada em um corpo fazendo o que resta a fazer recordar do que foi bom e virou abandono. O Wesley me surpreendeu ao fazer com algumas palavras, poucas frases um relato emocionante de uma Vida, um texto que toca o coração e o faz ficar apertado, que me fez querer entrar na história e segurar a mão e dizer eu estou aqui. Mas que também me fez pensar o que realmente vale a pena.' (Gilvania Rocha do Blog Livros Em Retalhos)



(Imagem Retirada da Internet)


Acho que hoje seja um bom dia para morrer.

Não sei que dia é hoje. Quarta? Segunda? Sexta? Afinal, de que isso importa se o dia não vai impedir a minha morte?

Ouço Lídia se aproximar. A essa altura, é impressionante que eu ainda consiga ouvir alguma coisa, estou certa disso. Ela chega ao meu ouvido e diz que vai buscar o meu remédio, o que não demorará mais que cinco minutos caso ela não encontre nenhuma outra cuidadora pelo caminho. Apenas mexo a cabeça de forma afirmativa. Não tenho mais forças para falar nenhuma palavra. Fazem algumas meses que a minha comunicação se reduziu a isso.

 Sempre tive muito vigor, alegria, animo para enfrentar a vida. Nunca imaginei que terminaria os meus dias inválida, em uma cama imunda, sozinha, abandonada como uma cachorra de rua doente. Esquecida.

Isso dói.

 Pensar que uma vida dedicada a família não serviu para muita coisa. Para nada na verdade. Hoje mais do que nunca percebi isso. Quando é hoje mesmo?

Lembrar deles é a única coisa que me faz saber que tudo aquilo foi real, por mais que seja algo muito distaste de tudo que vivi nos últimos anos. Ou seriam décadas? Não lembro. Não me importo.

Minha mãe sempre disse que eu deveria casar e ter filhos para ter uma boa vida e não ficar sozinha quando ficasse mais velha. Ela estava completamente enganada. Gostaria de dizer isso a ela, mas não posso, não agora. Talvez mais tarde eu a encontre diga pra ela.

Sempre me dediquei ao meu marido e aos meus filhos. Uma vida inteira. A minha vida inteira. E o que ganhei em troca? Abandono. Desprezo. Um quarto com outras quatro mulheres, tão velhas quanto eu. Tão sozinhas e esquecidas quanto eu.

Apesar da dor, permito-me lembrar. Eu não queria, mas acredito que já tenha perdido o poder de escolha também. Flashes repentinos me invadem. Acho que aquela história de que nossa vida passa diante dos nossos olhos quando vamos morrer é verdade.

Vejo ele rindo, duas crianças correndo pela grama. Estamos felizes. Ele me abraça, com ... amor? Damos as mãos e começamos a caminhar.. Logo a cena muda pra o primeiro dia de aula das crianças. Filhos gêmeos sempre tinha sido meu sonho e eu consegui realiza-lo. Os deixo na escola e quando eles se despedem eles falam que me amam. Amam? Na hora aquilo parecia verdade.  Nas imagens que aparecem em seguida eles já cresceram, não sei onde o pai deles está e  presumo que tinha morrido, estão carregando uma senhora que se debate desesperadamente. Percebo que aquela sou eu. Sinto as lágrimas escorrerem dos meus olhos.  Eles fizeram mesmo isso. Cortaram a minha existência da vida deles. Aqueles que um dia disseram que me amava, que jamais me deixariam só. Palavras vazias. Mentirosas.

Lídia aparece com um comprimido na mão e na outra traz um copo com água. Pelo que vi, ela não encontrou ninguém.

— Vamos dona Vida, está na hora do seu remédio.

Ela fala com uma animação tão falsa e robótica que morreria outra vez para não ter que vê-la novamente.

— Dona Vida? — Ela está gritando. Eu permaneço imóvel. — Acorde dona Vida! Acorde!

Continuo parada. Certamente gelada. Sem respirar.

Uma Vida morta. Vida sem vida.

37 comentários:

  1. Olá, é mesmo um conto tocante, e sabemos que infelizmente é um retrato da realidade dos nossos idosos muitas vezes.

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  2. Hey, How are you?
    Thanks for your visit. Come here always you can. It is a pleasure to have you here.

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  3. Oie
    uau que belo texto, gostei muito, é impossível não nos levar a reflexão do que deixamos aqui quando viermos a partir

    beijos
    https://www.youtube.com/watch?v=t7M89YJAPhM

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  4. Olá,
    Que boa reflexão deste texto!
    Gostei de como a mensagem foi retratada, ficou tocante e ao mesmo tempo tem aquela dose de realidade.

    Debyh
    Eu Insisto

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  5. Muito interessante o seu texto, faz a gente pensar não é mesmo? Adoro textos assim, com aquela pegada de veracidade e ao mesmo tempo reflexiva. Parabéns.

    Beijos

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  6. Olá, como vai? Que reflexão interessante o seu texto apresenta, fiquei algum tempo pensando em que escrever, ainda não consegui palavras para expressar os sentimentos mas, infelizmente essa é a realidade de alguns idosos.

    Beijos e Abraços Vivi
    Resenhas da Viviane

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  7. Oi tudo bem? Nossa me sensibiliza muito o retrato de nossos idosos no país, foi muito tocante ler essa reflexão e fiquei muito pensativa a respeito, pois se Deus quiser serei também uma pessoa idosa no futuro, fico muito triste com esse abandono e descaso.

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    1. é realmente muito triste pensar que isso acontece com frequência

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  8. Nossa, eu não tava preparada pra isso hoje. Me tocou muito. Tenho pensando bastante em como tratamos nossos idosos, aqueles que carregaram o país a vida toda. Precisamos divulgar contos assim é sensibilizar os outros.

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    1. Muito obrigado pela visita. De fato precisamos conscientizar as pessoas sobre isso.

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  9. Olá,

    É algo um tanto irônico ter alguém para cuidar de nós. Sabemos internamente - somos humanos - que muitas vezes faríamos a mesma coisa. A maioria das pessoas se afasta de pessoas que estão na velhice, porque temem a morte. Elas sentem que a proximidade pode afetar sua saúde. Isso é visto no mundo todo. Só a cultura e o hábito de desmitificar essa ideia pode eliminar esse abandono.

    No Japão as crianças são ensinadas desde cedo que quando crescerem serão responsáveis pelo cuidado de seus pais, caso eles necessitem de seus cuidados na velhice.

    Beijos

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    1. A forma como a velhice é vista no Japão é inspiradora. é uma pena não acontecer aqui :( Obrigado pelo seu comentário tão acrescentador.

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  10. Achei um ótimo texto para se refletir sobre como vemos os idosos, muitas pessoas esquecem que em alguns anos serão idosos também e podem acabar tendo reflexos de suas próprias ações.

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  11. Oiieee

    É muito triste pensar que realmente esse acaba sendo o retrato do fim da vida de muitos idosos, que certamente mereciam mais consideração, mais amor e mais respeito. Muito triste e muito real o relato.

    Beijos

    www.derepentenoultimolivro.com

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  12. Olá! É muito triste saber que esse tipo de realidade não é algo longe do que acontece com alguns idosos.. Infelizmente o egoismo fala mais alto que a gratidão.. É um texto emocionante, muito bom!

    Beijos,
    Conta-se um Livro

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    1. Oi flor! Que bom que gostou. Pensar nessa triste realidade é bem difícil mesmo.

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  13. Olá
    Mu Deus, mais pessoas deveriam ler esse conto, infelizmente é a realidade, minha irmã é fisioterapeuta em um lar de velhinhos e ela nos conta cada coisa, muitos não tem visita, e uma delas a casa teve que procurar os parentes na internet, um absurdo. Minha irma cuida tão bem de suas "crianças", e chora a cada perda. Fico tão triste com isso. Nunca que deixaria minha mãe sozinha e tenho certeza de que nenhuma das minhas irmãs tambem.
    Lindo e emocionante texto. Parabéns por compartilhar.
    Bjus

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    1. Obrigado pelo carinho e por esse relato. Infelizmente essa é a realidade de muitos como você mesma sabe. Sua irmã certamente será recompensada pela vida por isso

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  14. E como não se emocionar?
    Achei lindo a forma que as palavras foram usadas. Ideal para reflexão =

    Sai da Minha Lente

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  15. Fiquei arrepiada com o conto, lindo, profundo, tocante e reflexivo. Tudo em um pequeno texto. Parabéns.
    Bjs, Rose

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  16. Olá!
    Que conto extremamente tocante.
    Nossa realidade é infelizmente bem triste. A população está envelhecendo, mas sendo esquecida e negligenciada a cada dia.
    Um texto para se pensar e muito.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  17. Muito legal esse conto. Infelizmente é a realidade de muita gente, família não é garantia de companhia na velhice, nem de amor e cuidado.

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  18. ahhh querida, parabéns pelo texto e bela bela reflexão sobre a morte e vida, amor, cuidados e gratidão.

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  19. Oi Wesley! Tudo bem?
    Isso não é modo de impressionar uma dama teimosa, sabia? Rapaz, tu não sabe a tristeza que me deu lendo esse conto. Ainda mais pra quem conviveu uma vida inteira com a avó, falecida lá em 2013. Não consigo entender como tem gente capaz de abandonar um idoso desse modo. Sou incapaz de suportar gente que age assim.
    Abraços e beijos da Lady Trotsky...
    http://www.galaxiadeideias.com/
    http://osvampirosportenhos.blogspot.com

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    1. Oi Renata! Desculpa ter te deixado triste, mas essa foi exatamente a intenção. Sinto muito pela sua avó e espero que esse texto contribua de alguma forma para as pessoas pensarem.

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